quinta-feira, abril 17

Evento “Mulheres no jornalismo” reflete sobre desafios e conquistas na imprensa brasileira

Foto: Roberta Carvalho / Pauta Periférica

Por Carolina Rosa

Em 24 de março, as organizações que compõem a Coalizão em Defesa do Jornalismo se reuniram para promover o encontro “Mulheres no Jornalismo: O desafio das jornalistas na cobertura dos direitos das mulheres”. A programação  foi pensada para fomentar reflexões sobre os desafios enfrentados pelas jornalistas , destacando temas como liderança das organizações, direitos reprodutivos, violência de gênero e feminicídio.

Na mesa de abertura do evento, foi apresentado alguns resultados encontrados no o relatório Jornalismo na era do #MeToo, produzido pela organização Repórteres Sem Fronteiras Internacional (RSF). 

Representando a organização, a jornalista Bárbara Heliodora, falou sobre os achados do estudo e também trouxe sua percepção sobre a atuação das mulheres no jornalismo. “Ser mulher e realizar qualquer atividade nos obriga a enfrentar desafios devido à cultura misógina. No entanto, um avanço importante observado foi o ressurgimento da pauta feminista na mídia desde 2017, com a criação de editorias especializadas e novos veículos dedicados ao tema”, lembrou Bárbara. 

Outra participante da mesa, Victória Damasceno, editora da iniciativa Todas na Folha, destacou os avanços da redação da Folha de S.Paulo, como a maior diversidade na equipe, com a inclusão de negros, LGBTQIAPN+ e muitas mulheres. Ela mencionou que, desde que ingressou  no veículo, em 2021, tem percebido  mudanças no perfil da redação e na criação de uma triagem de fontes com recortes de gênero, raça, etnia e classe social.

Já Tatiana Silva, editora-executiva da Intercept Brasil, outra integrante do bate-papo, ainda faltam estratégias para proteger a integridade e saúde das jornalistas, que cobrem temas como direitos reprodutivos no Brasil. Ela destacou os diversos ataques  violentos  contra essas jornalistas, fato que revela como as instituições violam direitos fundamentais quando uma pauta desafia crenças pessoais. Tatiana lembrou o caso de uma criança vítima de estupro em Santa Catarina, que gerou boicote devido ao conflito com ideias conservadoras. Para ela, esse tipo de situação reflete  a importância de se manter protegida e de seguir em frente com o trabalho.

Foto: Roberta Carvalho/ Pauta Periférica

Desafios e riscos no fazer jornalísticos das mulheres 

Na sequência, o evento promoveu uma segunda mesa, com o tema Jornalismo e Direitos das Mulheres: desafios e riscos na cobertura de direitos reprodutivos, violência de gênero e feminicídios, com jornalistas que atuam em mídias independentes com foco em gênero. 

Vitória Régia, do Gênero e Número, iniciou  o bate-papo elucidando a falha da apuração quando mídias que não estão sensibilizadas pelo tema trabalham na pauta.

A jornalista apontou que uma simples busca por ‘feminicídio’ no Google revela manchetes sensacionalistas e sem ética jornalística. Ela enfatizou a necessidade de uma abordagem ética alinhada aos direitos humanos, algo que ainda falta na mídia. Segundo Vitória, a mídia tradicional continua usando  termos errados e trata a questão de forma isolada, reforçando desinformação e dificultando o entendimento da sociedade sobre o debate de gênero.

Para Paula Guimarães, co-fundadora do Portal Catarinas, um veículo que há cerca de 10 anos apura pautas ligadas a gênero, o tema é cercado de pautas comportamentais que não recebem a atenção devida, para compreender os crimes relacionados à vida e os direitos das mulheres. 

Ela ainda destacou, que a sociedade entende o feminicídio como um crime a ser combatido, mas não vê os comportamentos como ciúmes e dominação como fatores que contribuem para esse crime. Paula apontou que, “no caso das violações relacionadas ao aborto, a sociedade insiste em ‘ouvir o contraditório’ sem considerar o testemunho da vítima, o que distorce as pautas e apurações de gênero no Brasil.”

Joana Suarez, gestora de conteúdo da revista AzMina, também participante da mesa, enfatizou a importância de mídias geridas por mulheres colaborarem na apuração de pautas sobre violações de direitos fundamentais, como a reprodução. Ela também destacou a necessidade de criar estratégias para gerar recursos dentro dessas coletividades, garantindo a produção das pautas e a segurança das repórteres envolvidas.

A jornalista ressaltou o valor que há em unir feminismo e jornalismo, destacando que todas as mídias têm um papel ativista, e que a pauta feminista é essencial e transversal às nossas vidas. Joana reforçou sobre a importância das parcerias entre iniciativas como AzMina, Gênero e Número e Portal Catarinas, já que as mídias tradicionais não dão o devido espaço  às pautas de gênero  e carecem de mulheres na gestão, reforçando a necessidade de colaboração para sustentar suas redações e processos.

Após a pausa para o almoço, o evento foi retomado com o lançamento oficial do site da Coalizão em Defesa do Jornalismo, em que as realizadoras puderam apresentar a Coalizão e demonstrar apoio às jornalistas que estão hoje em campo. 

Para a última mesa, foram convidadas jornalistas para dialogarem sobre Mulheres na Liderança, Proteção e Resistência no Jornalismo. 

Schirlei Alves, jornalista investigativa independente, alvo de ações judiciais que escancaram a violência institucional e jurídica praticada contra as mulheres no país, esteve na mesa e contou sobre a perseguição que sofre até hoje , os diversos constrangimentos que teve após a publicação da reportagem que expôs o caso Mariana Ferrer, que aconteceu em Florianópolis em 2020.

Segundo Schirlei, mesmo após quatro anos do caso e dos processos que sofreu do acusado, nunca conseguiu retomar sua vida normalmente.Até hoje, ela teme por sua segurança e se mantém certa do bom trabalho que fez na época. Ela contou que um dos desdobramentos mais importantes após o escândalo, foi a promulgação da Lei 14.245, conhecida como Lei Mariana Ferrer,  sancionada em novembro de 2021, para proteger vítimas de crimes sexuais durante audiências. A lei foi criada após um julgamento de estupro em que o réu foi absolvido, e a vítima, Mariana Ferrer, sofreu agressões e humilhações ao longo de todo processo, especialmente na audiência, sendo intimidada e culpabilizada pelo crime.

As jornalistas da  Agência Pública, Amanda Audi, repórter da e Mariama Correia, editora-geral, também contribuíram com o debate, falando sobre as consequências e responsabilidades de uma redação quando uma jornalista da equipe sofre algum tipo de ataque ou perseguição, citando um caso de violência provocada por um hacker que usou os dados pessoais de Amanda, de forma criminosa. 

Mariama, que é chefe de Amanda, comentou que muitas vezes nem a gestão de um veículo, nem a polícia sabe como agir, tendo em vista que as formas de ataque são novas e sem nenhum tipo de regulamentação. 

Estratégias de lideranças femininas nas redações 

Gisele Alexandre, uma das lideranças do jornalismo periférico e diretora-executiva da produtora Pauta Periférica, falou sobre a experiência de gerir uma equipe predominantemente feminina, escolhida por ela, para tocar projetos realizados no Capão Redondo , uma das maiores periferia de São Paulo. Ela explicou que criou o veículo de mídia local, Manda Notícias, sozinha  durante a pandemia, visando combater a desinformação nas comunidades periféricas e faveladas da cidade. Mas, tempos depois, entendeu que era importante ampliar o olhar sobre as pautas e convidou a jornalista Beatriz Monteiro, 20 anos mais jovem, para cocriar um novo formato de programa, que continuaria tendo um olhar feminino, mas com uma diferença geracional importante que contribuiu muito com as reflexões.

A jornalista Sanara Santos, diretora da ÉNois e cofundadora da Transmídia Jornalismo, a primeira diretora transexual  à frente de uma instituição de jornalismo no Brasil, também esteve presente no último bate-papo e complementou a reflexão trazida por Gisele, sobre como para as formas de mulheridades negras e, principalmente, periféricas o desafio central é não se deixar definir apenas pelas violências que são impostas a esses corpos, embora de fato aconteçam diariamente nuances de violências e preconceitos, especialmente quando se é uma jornalista trans, na linha de frente. 

Segundo Sanara, mesmo diante de tantas ignorâncias fomentadas na área da comunicação e em uma cultura transfóbica,  a  ÉNóis trouxe avanços essenciais para a instituição como a criação de ferramentas, que auxiliam no criação de  redações  mais diversas e verdadeiramente preocupadas com a inclusão de pessoas trans, não-binárias, negras e periféricas. O mesmo se deu com a criação da Transmídia Jornalismo, sendo a primeira mídia composta integralmente por pessoas trans, cobrindo as pautas de maneira transversal. 

O evento destacou a relevância da luta contínua por um jornalismo mais inclusivo e seguro para as mulheres, além de ressaltar os desafios que ainda precisam ser superados para garantir a proteção dos jornalistas que cobrem esses assuntos essenciais.

Toda a cobertura audiovisual do evento foi feito pela Pauta Periférica, uma produtora independente do Capão Redondo, que também é responsável por este veículo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *