sábado, novembro 23

O que aprendi com o Orkut

Turma do Clube de Criadores EduCapão de 2024. Foto: Muller Silva

Coluna Braba

Por Gisele Alexandre

No início de outubro, completei mais uma primavera. Frase clichê para começar minha primeira coluna, né? Tá bom, vou tentar de outro jeito.

Será que para você, assim como para mim, os dias que antecedem o aniversário, são o período mais propício para refletir sobre nós mesmos? Aquele momento que a gente se pega pensando no que fizemos de bom e despertamos para aquilo que a gente está negligenciando. Para mim tem muito disso. 

Esse ano eu me deparei com dois trabalhos incríveis, realizados quase no mesmo momento, dias antes de comemorar 42 anos de vida. Um deles você provavelmente já me viu comentando nas redes sociais, é o Festival CultCom, projeto que tenho me desafiado a realizar desde o ano passado, mas, hoje não quero falar sobre ele, vou deixa para outro artigo. Hoje eu quero te contar sobre uma feliz surpresa que tive esse em 2024.

Em setembro, a equipe do Sesc me convidou para planejar a cobertura de um evento nacional, que acontece todos os anos em um estado diferente do país, e que trata sobre temáticas das juventudes. A primeira ideia era montar uma equipe de jovens, formados pelo Clube de Criadores EduCapão — programa de formação educomunicativa que realizamos em parceria com o Sesc Campo Limpo desde 2023 —, para fazer a cobertura do evento de um jeito que tivesse a cara da juventude.

Na hora, achei aquela proposta um tanto inviável, porque a missão de cobrir o IV Fórum Nacional da Juventude Sesc em nome da nossa produtora, Pauta Periférica, era grande demais e precisávamos de jovens com um pouco mais de experiência. Então, propus uma sugestão, partindo da minha experiência, porque se tem uma coisa que me orgulho e de ter o olhar atendo para novos talentos, isso se aplica na cultura e também na comunicação. Foi aí que pensei em criar uma equipe com diferentes habilidades, que eu conheci em lugares e projetos diversos. Comecei criando uma lista de nomes de comunicadores jovens que eu tinha certeza fariam uma cobertura profissional, sem abrir mão da “identidade jovem” que era um dos pedidos do Sesc. Depois de muitos contatos, conversas e negociações, consegui montar uma equipe com seis jovens, de 18 a 29 anos, todos periféricos, entre eles dois ex-educandos do EduCapão. E fiquei bem feliz em saber que o meu faro não estava errado, pois houve entre eles o entrosamento instantâneo desde a primeira reunião virtual, e o trabalho rendeu lindamente, como o planejado. E, claro, eu fiquei muito orgulhosa em saber que o Sesc confiou na minha proposta e que conseguimos entregar tudo o que havíamos prometido.

Jovens da Pauta Periférica envolvidos no IV Fórum Nacional da Juventude Sesc | Cobertura: Matheus da Mata, Carol Rosa, Meii, Pedro Vieira, Otavio Luís e Suzana Silva | Palestrantes: Rose Martins, Bia Monteiro e Ashley. Foto: Leonardo Moraes

Mas, você pode estar se perguntando: O que essa história toda tem a ver com o título desse artigo?

Eu vou explicar! Foi no Orkut, no início dos anos 2000, quando eu tinha 20 e poucos anos, que eu comecei a descobrir o poder da comunicação digital. E de lá pra cá, com a minha vivência pessoal e profissional, comecei a compreender a importância da comunicação para as juventudes, especialmente aquelas que experimentam as mazelas de viver em regiões periféricas da cidade.

Foi usando o Orkut que entendi que poderia chegar em pessoas que eu admirava, mas nunca havia visto pessoalmente; foi por lá que comecei a compreender que a comunicação podia ter outras formas e que por naquela rede eu poderia me expressar da maneira que eu bem entendesse, por exemplo, usando as gírias que eu e os meus amigos usávamos na rua. No Orkut eu encontrava pessoas que gostavam das mesmas coisas que eu, mas, claro, lá eu também vi coisas ruins surgirem, como os discursos de ódio e preconceito.

Mas, por que quis trazer essa reflexão, talvez, antiquada para esse artigo? Porque foi por meio dessas mídias digitais, não apenas Orkut como o Facebook também, que eu me entendi como uma jovem comunicadora, lá no início dos anos 2000. E hoje, mais de duas décadas depois, meu trabalho com a juventude periférica parte também dessas minhas vivências e descobertas. 

Quando criei a metodologia do Clube de Criadores EduCapão, que é baseada na educação popular e usa os pilares da ancestralidade e da territorialidade como ponto de partida, eu estava olhando para a Gisele do passado e pensando em quais acessos e conhecimentos eu poderia ter tido se tivesse refletido sobre a minha identidade antes de começar minha “vida adulta”.

É por esses e muitos outros motivos que eu acredito que a juventude não é o futuro, ela é o presente. Nesse sentido, tenho tentado de muitas formar fortalecer essa geração, oferecendo oportunidades pessoais e profissionais, para que a gente consiga construir uma sociedade mais consciente e menos desigual. Uma sociedade que conhece e reconhece a sua história e dos que vieram antes, e que consegue usar as mídias digitais para se expressar sem perder a sua identidade, criando narrativas respeitosas sobre as suas próprias vivências e das outras pessoas, sem estereótipos ou preconceitos.

Mas, trabalhar com a juventude não é tão simples como possa parecer. É desafiador e algumas vezes até decepcionante. Isso porque, aos 42 anos, tenho que lidar com questões que são só minhas e, ao mesmo tempo, me coloco na posição de ser positiva e inspiradora, independente dos problemas que estou enfrentando. Manter o engajamento e a motivação dos jovens, para mim, é uma habilidade única que exige um desprendimento de várias emoções. Pratico diariamente a manutenção do meu ego, para saber aceitar as críticas e os olhares tortos, mesmo quando sei que eles irão compreender e aceitar o que estou falando daqui a alguns dias. Delego funções complexas e, às vezes, não dou nenhuma orientação específica, porque sei que o meu jeito de fazer é diferente e quero estimular que criem seus próprios métodos. É engolir o sentimento de ingratidão e valorizar a sua importância em silêncio quando ele alcança o “sucesso”, mesmo quando esse reconhecimento não vem. 

Mesmo com todos os desafios, alegrias e decepções, entendo que nesse momento meu papel é servir de ponte para as oportunidades que eu não tive. Seja chamando para trabalhar comigo jovens em que eu identifico grande potencial, criando projetos e contratando jovens para serem protagonistas ou então elaborando métodos de educação que promovem a autoconfiança e a autonomia, sem nem mesmo citar essas duas palavras.

Agradeço ao Orkut, por me ensinar a me comunicar quando ainda não tinha ideia de onde aquela tecnologia nos levaria, e por todos os jovens que encontrei ao longo do meu caminho, que me inspiram e me ensinam como ser uma adulta nesse novo mundo.

Gisele Alexandre: Jornalista, educomunicadora, articuladora cultural e gestora de projetos. Criada no Capão Redondo, periferia da capital paulista, atua há cerca de 18 anos no jornalismo periférico. É diretora-executiva da Pauta Periférica e idealizadora do Manda Notícias, do Clube de Criadores EduCapão e do Festival CultCom.

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