quinta-feira, novembro 21

“Vocês são mesmo seres inferiores”. 20 anos da obra de Arawaka Hiromu que ainda se mantém atual.

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Coluna Anti-heroica

Por: Matheus Monteiro

“Vocês são mesmo seres inferiores… Alegram-se e se tornam prepotentes logo que conseguem um grande poder para si. E continuam a usá-lo sem nem menos saberem do que se trata! Ainda acham que a atual prosperidade foi conseguida com suas próprias forças! Isso é ridículo! Seus tolos!”, essa fala é de um personagem chamado Inveja do mangá Fullmetal Alchemist de Hiromu Arakawa, e a partir dessa frase quero tecer algumas reflexões: quem nos deu a nossa prosperidade? Quem nos deu a evolução tecnológica? Será possível a tecnologia imparcial, sem servir a interesses específicos?

Fullmetal Alchemist (FMA) é um mangá de ação, aventura e fantasia publicado entre 2001 e 2010. Foi uma publicação de extremo sucesso, chegando a ser considerado “o melhor mangá de todos os tempos”, e a sua adaptação em anime, Fullmetal Alchemist: Brotherhood, considerado como “o melhor anime de todos os tempos”. Na história acompanhamos dois irmãos alquimistas que, após perderem seus corpos realizando uma transmutação humana, estão em busca da “pedra filosofal” para recuperarem seus corpos.

Mesmo sendo uma obra voltada para pré-adolescentes e adolescentes, a obra de Arakawa aborda diversos temas complexos, como: ética, consequências e horrores da guerra, a vida, debates filosóficos sobre Deus, fascismo, entre outros. Mas um ponto crucial da obra é a questão da ética e da evolução científica, evolução que não é imparcial e positivista – pensamento que supõe que o progresso é algo sempre positivo -, pelo contrário: essa tecnologia, ou magia, não foi feita e entregue à humanidade sem um propósito, por pura bondade, mas sim para fins nefastos mostrados ao decorrer da história. E o ápice da alquimia, da forma perfeita, é a pedra filosofal, que só pode ser concebida de uma maneira horrível.

E quanto a nossa tecnologia e prosperidade? Não podemos mudar a matéria apenas desenhando um círculo de transmutação no chão, mas temos recentemente mudado muitas realidades com notícias falsas que circulam pelo WhatsApp. A tecnologia que temos em nossas mãos não foi gerada do nada, a internet não foi descoberta como uma lei universal como a gravidade, ela foi criada e, diga-se de passagem, criada em ambiente militar. Ironicamente, as redes sociais que ocupamos na “rede mundial de computadores” são tratadas como “verdadeiros campos de guerra”, seja pela esquerda, seja pela direita em busca de apoiadores.

Deivison Faustino e Walter Lippold em seu livro Colonialismo Digital: por uma crítica hacker-fanoniana, apontam que a programação, os algoritmos “… são receitas, sequências, previsões… programas planejados por alguém para determinado fim.” (p. 42). Os dois autores falam sobre o fetichismo da tecnologia, que borra a nossa visão nos fazendo ignorar, ou não enxergar os verdadeiros interesses das “revoluções tecnológicas”, a tecnologia evolui e serve ao capitalismo, e isso não pode ser desvinculado nem minimizado.

Longe de mim querer parecer reacionário sobre a tecnologia da sociedade contemporânea, mas é importante entender que as Big Techs que controlam o falecido Twitter (X), WhatsApp, Instagram, Telegram, possuem interesses econômicos, políticos e sociais, e não podemos apenas ignorar essa situação. Podemos citar o escândalo da Cambridge Analytica que levou Mark Zuckerberg ao tribunal estadunidense por coletar dados e manipular essas informações durante o período eleitoral.

A internet pode ser a nossa “pedra filosofal”, nosso maior avanço tecnológico que permite uma comunicação praticamente instantânea, mas essa “pedra filosofal” ainda se encontra nas mãos de big techs de interesse privado. E assim como no começo do mangá de FMA, uma fração desse poder pode transformar uma pessoa insignificante, que não tenha escrúpulos em um líder de uma seita com fiéis indomáveis, por um lado, e extremamente manipuláveis, por outro, que morreriam pelo seu líder e suas promessas vagas pautadas na fé.

O candidato Pablo Marçal é o nosso padre Cornello, com uma fração da “pedra filosofal”, essa fração que corresponde a suas redes sociais, já consegue manipular e transformar a realidade a seu favor, Marçal não é dono de nenhuma rede social, tão pouco é o inventor da internet, não é um homúnculo, ou aquele que os homúnculos chamam de Pai. Marçal é um vilão de quinta do começo de um gibi que serve de escada para o protagonista mostrar suas virtudes ao leitor. Porém, na realidade não temos um heroi que irá nos salvar.

Esse foi meu primeiro texto para essa coluna e me dei um desafio grande: juntar o livro que estou lendo para uma prova, Fullmetal Alchemist que eu também estou relendo e a candidatura do Pablo Marçal. Espero que tenha conseguido fazer isso de uma maneira coesa e interessante, que tenha sido uma leitura agradável até aqui! Agradeço a Gisele pelo espaço e espero escrever por aqui por um tempo, e sejam textos sempre interessantes ao leitor, até a próxima e obrigado pela leitura!

REFERÊNCIAS.
Colonialismo digital: por uma crítica hacker-fanoniana. FAUSTINO, Deivison; LIPPOLD, Walter. – 1 ed. – São Paulo: Boitempo, 2023.


Sobre a coluna: Anti-heroica é uma coluna de opinião e crítica que aborda temas ácidos e provocativos dentro de obras de arte, principalmente quadrinhos e música, e convida o leitor a um debate fora da zona de conforto, em busca de uma reflexão que desafia o senso de heroísmo messiânico, a busca por respostas fáceis e rápidas.

Matheus Monteiro: Historiador formado pela Universidade Estadual de São Paulo, morador do Capão Redondo, foi idealizador do 1° PerifaCon. Realiza pesquisas na área de História Cultural, com foco em quadrinhos, além de ser professor de dois cursinhos populares na cidade de São Paulo.

Instagram: @o_antiheroi

1 Comment

  • Tchogues

    Ótimo texto, conseguiu sintetizar tudo e fazer sentido no final, realmente a internet assim como outros avanços tecnológicos que a humanidade fez ao longe de sua história sempre teve um alto custo!

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