quinta-feira, novembro 21

Slam: cena que muda o pensamento político

Instrumento de tecnologia social que transita entre a arte e o fazer político, se torna a mudança de pensadores a partir de sua vivência. 
Por breno luan

Na década de 80, criado por Marc Kelly Smith em Chicago, surge no mundo o que hoje conhecemos como “batalha de poesia falada”: o Slam. Baseado nas artes do corpo e voz, essa ferramenta de tecnologia social (educativa, política e democrática) chega no Brasil a partir da artista, atriz, poeta e MC Roberta Estrela D’alva, iniciando o primeiro Slam em território paulista, o ZAP! Slam (Zona Autônoma da Palavra).

Essa onomatopeia, em tradução, conecta-se com o entendimento das mãos batendo palmas, batidas de portas ou algo que se impacta aos olhos nus quando assistido; “algo próximo do nosso “pá” da língua portuguesa”, como escreveu Cynthia Agra de Brito Neves, num artigo publicado para Linha D’Água

A/O/E poeta/performer/slammer/griô que se apresenta, tem a responsabilidade de ter, no mínimo, três poesias autorais (decoradas ou lidas no momento da performance) de até três minutos e dez segundos (no Slam do 13, poesias de até três minutos e treze segundos), sem acompanhamento musical, cenografia ou figurino. Somente corpo, voz e poesia.

A partir do momento que eu trombo o Slam, eu consigo obter esse conhecimento de uma forma muito mais corporal, tato; com pessoas que ministraram esse saber através de uma narrativa de uma escrita e de uma vivência”, conta a poeta Kimani, vencedora do Slam BR de 2019. E ela continua: “Mais do que eu poderia ter passado numa trajetória para aprender em teoria, o Slam me ensinou na prática ter referências vivas, presentes, pretas, femininas, nas quais eu pude ter a percepção de espelhamento. Por muitas vezes eu aprendi no Slam, muitas coisas que as pessoas não verbalizaram. De como me posicionar no palco, como segurar um microfone, como ecoar minha voz. Eu fui aprendendo essa técnica através da vivência”, completa.

Construção e realização

Comumente, o Slam acontece (ou se inicia) nas periferias das regiões (mundialmente, no hemisfério Sul, ele toma mais proporção e reconhecimento visível), e isso reflete nas escritas e performances apresentadas durante o evento. Mesmo que, criado como forma de viabilizar as várias temáticas que são apresentadas nas poesias e cenas, acaba que as escritas – majoritariamente – são um reflexo do cotidiano vivido pelos poetas que, em suma, são artistas periféricos, marginais e independentes; e, sabendo da atual realidade do projeto Brasil, concluímos que as poesias não serão somente flores e coisas leves. 

Semelhante ao que acontece nos Saraus, o Slam vem com a proposta de, para além de tornar as poesias possíveis de serem expressadas, também como um campeonato entre os performers que, através das apresentações, descobrimos quem será o 1º, 2º e 3º colocado da competição. A partir das notas parciais de jurados escolhidos na noite do evento – o que torna o Slam ainda mais divertido e democrático – sabemos quem serão os primeiros colocados da noite, já que, “a poesia é quem vence sempre”. 

Pensando em campeonato, existe também o Slam Estadual, onde se faz um campeonato de poesia falada entre os primeiros colocados de cada Slam de um estado, que a partir da quantidade de Slam’s dentro de um estado, é escolhido de 1 a 4 poetas representantes daquele estado para participar do Slam BR – batalha de poesia falada entre todos os estados do território brasileiro. Do Slam BR, o primeiro colocado é escolhido para representar o Brasil no Slam Coupe du Munde que, por um tempo aconteceu na França, mas hoje procura democratizar essa linguagem artística em outros lugares também – assim como Slam BR, que realizavam suas batalhas em SP capital, e hoje roda Brasil afora conhecendo outros estados que fazem esse movimento poético ser possível de acontecer.

Da primeira aparição no projeto Brasil, em 2008, até hoje, foram criados Slam’s em todo país. Estima-se que dentro do território nacional, existem mais de 200 comunidades de Slam atuantes, sendo que 50 estão sediados em São Paulo, caminhando dentro das profusas linguagens artísticas que se relacionam (ou não) com o corpo periférico. De Slam das Minas (Slam com recorte de gênero) ao Slam do Corpo (primeiro Slam de poesia em libras), há uma pluralidade temática que se encontra nessa expressão artística de cena. 

O Slam, sendo um braço da cultura Hip-Hop, atravessa o transatlântico e caminha nas ruas das periferias de cada território possível de ser visitado. Sendo assim, surge em SP o Slam Interescolar, organizado pelo Slam da Guilhermina, que nada mais é que o Slam dentro das redes de escolas públicas, tornando possível na vida de jovens de periferia, o acesso à arte e cultura no seu processo de amadurecimento intelectual e social.

“Já dá pra entender o quão revolucionário é desde o momento que contam que a ideia principal é levar poesia para os jovens se tornarem autores das suas próprias histórias. Tenho muitos relatos sobre esses seis anos como poeta formadora, mas os meus preferidos é ver os jovens mudando o entendimento sobre poesia”, diz a poeta formadora do Slam Interescolar, Tawane Theodoro. “No começo, eles falam em voz alta como aquilo não é possível, e quando eles terminam a poesia dá pra ver de longe eles brilhando”, completa.

O Slam Interescolar tem sua importância dentro das redes públicas não só por levar a cultura de rua para as salas de aula, mas também por fazer com que seja exequível dentro das realidades de jovens de periferia, a arte como outro caminho de vida e construção pessoal – para além do que o projeto Brasil nos apresenta diariamente. 

“O que antes alguém era ultrapassado pelo Slam na altura de seus 27, 28, 29, 30 anos, hoje a gente conseguiu chegar nas escolas e falar para aquela menina de 9 anos que não tá tudo bem ela sofrer racismo… O Slam pode estar nesse lugar de letramento na educação básica, educação infantil, de políticas públicas. A gente vai falar de uma outra forma, porque daí a gente tá preparando as pessoas, tá formando os cidadãos. Estamos fazendo política, não só arte. O slam não é só mais arte, nunca foi. Estamos falando de uma juventude formadora de saber”, finaliza Kimani.

O compromisso de mudança que o Slam tem, a partir do momento de encontro com quem o assiste, está diretamente ligado ao exercício de escuta que é aplicado nas suas apresentações. Para além de ser um lugar de fala, o Slam transfluindo com todas as outras profusas linguagens de arte, transita nos espaços — geográficos ou não — e propõe um jogo de escuta e fala que, articulado ao movimento de atentar-se ao que está em cena, revoluciona o pensar do espectador presente. É a mudança do pensamento político, a partir da expressão da cena.

breno luan (20) | Grajaú

Nascido e criado no extremo da zona sul de São Paulo, é artista, performance do corpo & da palavra, diretor de arte & criativo dentro da marca, laboratório de pesquisa e criação Mile Lab & propulsor da sevirologia da arte que movimenta no mundo afora.

Instagram: @_brenoluan

email: [email protected] | telefone: (11) 98642-4192

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