terça-feira, novembro 25

Como o Galo nos ajuda a entender One Piece, ou One Piece nos ajuda a entender o Galo

Por Matheus Monteiro

Com o capítulo 1164 de One Piece um grupo de fãs da obra em que estou entrou em fervo com um debate gigantesco sobre a posição do Monkey D. Garp, avô do protagonista, durante vários eventos da obra e como, apesar de tudo que ele vivenciou dentro da marinha continuou dentro daquela corporação corrupta.

Paralelamente, na bolha política da internet, Paulo Galo a havia viralizado há dias por causa de uma entrevista no 3 Irmãos Podcast graças ao fato de dizer que qualquer militante de esquerda radical, seja ele o Jones Manuel, ou até mesmo o próprio Galo, seriam incapazes de mudar o sistema de dentro, e que todos seriam corrompidos.

Talvez para alguns, sejam alguns perspicazes, ou que conhecem One Piece, ou os que entenderam a fala do Galo no podcast, já saibam onde eu quero chegar com esse texto. Mas, sem subestimar a inteligência de ninguém, vou me permitir aqui discutir alguns pontos da fala do Galo em paralelo à história do Vice-Almirante Garp e seus descendentes que nos foi exposto até o momento em One Piece e tentar te mostrar como o Galo tem razão no que fala e como isso não é derrotismo, é uma análise que deve ir além.

Em determinado ponto da entrevista no podcast um dos apresentadores, conhecido como Roberto (Borracha), pergunta ao Galo “Se você entra lá no sistema… você vira igual os cara?” e sabiamente Galo responde “aquele sistema foi feito pra fabricar isso né. Se você colocar o Chê Guevara para virar presidente do Brasil, ele vira um pau no cu”. E quando Roberto insiste na pergunta, perguntando se o próprio Galo viraria um “pau no cu”, ele mantém sua resposta ainda mais firme “Eu viraria”.

Esse diálogo é o centro desse texto, nesse diálogo de maneira bem didática Galo defende, e demonstra uma tese de ideia simples, mas de exposição complicada: o Estado existe para a manutenção da sociedade tal como ela é e isso implica que, a menos que haja uma ruptura total desse Estado, sua destruição completa, ele nunca será revolucionário e ninguém nunca será capaz de “corrompê-lo”, pelo contrário, ele que irá te corromper.

E agora podemos olhar para One Piece, claro nem tudo foi revelado ainda, mas com base no que foi escrito e tenha se mostrado na obra até o momento, algumas suposições não parecem malucas de serem feitas, por mais que leitores de One Piece tenham esse gosto por teorias.

Garp é apresentado para nós no mangá em uma história de capa, ainda sem sabermos quem era, no capítulo 95, somente no capítulo 432 descobrimos que ele é avô do Luffy. Garp já aparece como um contraponto a Luffy, embora seu temperamento e atitudes sejam idênticas às do neto, gerando muitos momentos descontraídos e ótimos para Oda criar piadas, Garp é o que o Luffy seria se tivesse se tornado um marinheiro, que era o sonho de Garp.

A aparição de Garp também é simbólica, pois a tripulação de Luffy havia acabado de resgatar Nico Robin do Governo Mundial, Estado em que a Marinha é o braço militar, e declarado guerra a esse Estado por sua companheira. Essa revelação demonstra o contraste familiar da família de Luffy, que é ainda mais intensificada com a revelação, dita por Garp, que o pai do Luffy é Monkey D. Dragon o líder do Exército Revolucionário e o “Pior Criminoso do Mundo”, por atentar diretamente contra o Estado, contra o Governo Mundial.

Helmeppo faz uma observação perspicaz após a revelação de quem é pai de Luffy “O QUE ESSA FAMÍLIA TEM DE ERRADO?!”, de fato há algo de errado na família Monkey, porém não com suas escolhas políticas e de vida, mas por serem aparentemente monstros de combate.

Há três gerações que observamos da família de Luffy, o avô é um marinheiro, que serve ao Estado, Dragon é um revolucionário que jurou destruir esse Estado, Luffy é um pirata em busca do One Piece, que só gostaria de viver uma aventura, mas é constantemente atravessado e entra em conflito com esse Estado ditatorial. A família Monkey demonstra, em seus três membros revelados até agora, como o Estado atravessa nossas vidas e determina nossas ações, sejam elas contra ou a favor dele, mas que, indiferente se você tem interesse ou não por política, ele está presente como percebemos na história de Luffy.

No capítulo 1164, e aqui fica o aviso de spoilers, durante um flashback enorme que já dura muitos capítulos, é mostrado que Garp teve contato com os horrores que o Governo Mundial promovia. Ele descobre sobre uma caçada humana realizada pelos Dragões Celestiais (nobres e autoridade máxima desse Estado fictício), não só isso também vê as monstruosidades que ele defende sendo marinheiro.

Em contraponto, Dragon, seu filho, que também presenciou tais atrocidades deserta da marinha e é provavelmente onde começa seu caminho como revolucionário. O que leva o pai a continuar na marinha e o filho a deserdar e se tornar alguém que jura destruir esse Estado?

O capítulo seguinte, 1165, responde em partes a motivação de Garp continuar na Marinha “Proteger os marinheiros”, mas será que isso justifica tudo? Sua submissão e aceitação de um sistema tão corrupto, apenas para defender pessoas que mantém esse sistema? A resposta pode ser mais complexa, e talvez seja, em partes, respondida na entrevista citada de Paulo Galo.

No tempo do flashback, em que acompanhamos esses acontecimentos Dragon tinha apenas 17 anos e Garp estava com 40 anos, embora jovem, já era pai, já tinha uma vida construída dentro desse sistema, sendo marinheiro, diferente do filho, Garp não era mais um jovem idealista pronto para correr riscos. A escolha do personagem para escolher ficar na Marinha, mesmo com seus problemas é pelo fato dele já estar “corrompido”, mesmo sendo um homem bom.

Garp não pode mais sair da Marinha, ele é incapaz de pensar e imaginar um mundo diferente do que ele conhece, Garp, assim como o Lula citado por Galo em outro momento na entrevista, não é uma estátua de bronze, é uma estátua de ferro enferrujada pelo tempo, sendo corroída. Quando ele vê a execução de um de seus netos, e escolhe não se envolver, ele mesmo diz “Não há mais nada a se fazer”, ele já não dita as regras do jogo e está velho demais para tentar um caminho novo.

Dragon se rebela, pois é jovem, porém também vem sendo vencido pelo tempo. Embora até o momento não tenha mostrado nenhuma ação questionável de Dragon e dos revolucionários, ainda assim Dragon já não é mais o rosto da revolução, essa chama recentemente foi reacesa por Sabo, seu aprendiz. Porém, ao que tudo indica na obra, essa revolução não será feita por Dragon ou sequer Sabo, e sim um personagem alheio a todo o debate político: Luffy.

Luffy provavelmente é a esperança e o que vai causar de fato a queda do Governo Mundial, e isso daria um outro texto para falar sobre como as vezes, e temos exemplos históricos disso, a revolução parte de pessoas aparentemente alheias as questões que vivem e não dos líderes autoproclamados como salvadores da classe trabalhadora (pretendo trabalhar essa ideia através de outro mangá, Akira, porém estou esperando um mano meu. Diego, lançar um vídeo que dialoga com isso).

Bakunin em Deus e o Estado, diz que a história humana pode ser dividida em três elementos fundamentais o primeiro seria a animalidade humana, o segundo o pensamento e o terceiro, por fim, a revolta. De acordo com o pensador anarquista a animalidade humana se resume a economia social e privada, como sobrevivemos. A segunda seria a ciência e o desenvolvimento científico, descobertas e avanços no pensamento social e a revolta, bom a revolta é a liberdade e a revolução que traz consigo.

O personagem de Garp é pautado pela animalidade, preocupado com os seus, consigo, é alguém que não vai conseguir desenvolver o pensamento, a ciência, é alguém que vai ser corroído e corrompido pelo tempo.

Dragon é o pensamento, alguém que viu a questão social, que viu a situação e realidade que o cerca e teorizou sobre ela, se propôs a derrubá-la e ser antagônico a ela.

Luffy é enfim a liberdade, mesmo sem teorizar o seu desejo por liberdade o direciona a querer a liberdade dos outros e com isso desejar a igualdade também, algo bem trabalhado no arco de Wano.

Por fim, espero que não tenha ficado muito confuso, Galo é alguém que entende como o Estado que vivemos opera, se não houver ruptura total com ele só iremos caminhar em círculos e nada mudará. E que fique claro, mesmo você que está lendo isso se for de esquerda radical, mas não for anarquista, não se iluda com a possibilidade de votar em Jones Manoel, se ele for eleito, ele já foi cooptado pelo Estado, já não é uma ameaça, a única coisa que pode nos tirar dessa situação é uma revolução completa, de resto é apenas manutenção para o funcionamento do Estado.

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