Cultura
Por Carolina Rosa

Nos dias 18 e 19 de outubro, a Favela Monte Azul, na zona sul de São Paulo, foi palco da primeira edição do FotoBeco Festival, idealizado pela Galeria Sérgio Silva, que ocupou becos e vielas da comunidade com exposições, oficinas e debates que conectam a arte ao território. A proposta é simples e poderosa: fazer da periferia não apenas o tema das imagens, mas o próprio local onde elas ganham sentido e circulação.
Criada em 2023 pelos fotógrafos e moradores Léu Britto e Rogério Vieira, a Galeria Sérgio Silva nasceu da necessidade de criar um espaço de arte acessível à vizinhança. O nome é uma homenagem ao artista e fotojornalista que documentou o cotidiano das periferias e inspirou gerações com seu olhar sensível sobre as favelas. Desde então, a galeria tem funcionado como ponto de encontro para artistas, jovens e moradores interessados em criar, aprender e trocar sobre fotografia.


Com o FotoBeco, a iniciativa expande seus muros, ou melhor, os dissolve. As vielas se tornam corredores expositivos e os muros, telas de projeção. O Festival reuniu artistas da quebrada e de outras regiões do país, misturando olhares e linguagens. A programação incluiu oficinas gratuitas, projeções noturnas e uma mostra de portfólios com pagamento de cachê, reforçando que arte também é trabalho e renda.
Para Léu Britto, fotógrafo e um dos idealizadores da Galeria Sérgio Silva, o evento representou mais do que um evento cultural: foi uma oportunidade concreta de fortalecer o território.
“A realização do FotoBeco Festival traz uma sensação de pertencimento não só local, mas também de partilhamento de vários saberes e desenvolvimento comunitário. E isso inclui o lado financeiro. Foi muito importante realizar o FotoBeco dentro da favela porque conseguimos oportunizar recursos para dentro dela. Contratamos o montador, o pessoal da limpeza, todos da comunidade.”
Léu destaca que a movimentação de recursos dentro da própria Monte Azul foi uma das conquistas mais importantes do festival: “Pagamos o aluguel de espaços locais, como a Casa Amarela, e fortalecemos parcerias com o Pontinho e a Associação Comunitária Monte Azul. Isso gerou renda direta e movimentou a economia do bairro, mostrando que a arte também é um vetor de desenvolvimento local”.


O impacto, no entanto, não foi apenas financeiro. O Festival também mexeu com a percepção dos moradores sobre o território e sobre si mesmos. De acordo com Léu, alguns moradores ficaram receosos em furar suas paredes, mas quando viram o impacto das imagens, passaram a se reconhecer nelas.
“O FotoBeco trouxe pertencimento não só para a Galeria Sérgio Silva, mas para toda a favela. As pessoas se identificaram com as obras e também viram o giro econômico acontecer ali dentro, com a comunidade trabalhando junto. É importante levar arte, cultura e entretenimento para o povo, mas que o povo também não seja só espectador, que ele seja mão de obra ativa, participante, que a fatia do bolo também chegue pra quem tá ali na ponta, no quintal, recebendo as imagens”, finaliza Léu Britto.
Mais do que um evento de fotografia, o FotoBeco se insere num movimento maior de descentralização da arte e da cultura. Em um cenário onde os espaços de exibição ainda se concentram no centro e em bairros de elite, o evento reivindica o direito de existir e de expor a partir da quebrada. “A gente não quer só estar no mapa da arte, a gente quer redesenhar esse mapa”, resume um dos organizadores.
Ao transformar a favela em galeria, o FotoBeco também provoca novas perguntas: como garantir continuidade para iniciativas culturais nas bordas da cidade? Como evitar que o território vire apenas cenário para o olhar externo? São questões que o Festival se propõe a enfrentar com diálogo e ação comunitária, apostando na potência criativa das periferias e no poder das imagens como ferramenta de resistência e memória.