quarta-feira, agosto 27

Economia Criativa e Protagonismo Feminino: o que acontece quando um governo entende a força do nosso fazer?

Coluna Gira Criativa

Formação com mulheres empreendedoras no TEIA Santo Amaro

Por Fabiana Ivo

Quando falamos de economia criativa, não estamos falando de algo novo. Estamos falando do que as quebradas fazem há muito tempo: criar, reinventar, sustentar famílias com arte, estética, saberes, narrativas e afetos. O que muda é quando o Estado passa a reconhecer essa força como parte estratégica do desenvolvimento econômico, cultural e social do país.

Formação da turma ANIP na FGVcenn

Foi exatamente isso que aconteceu entre 2003 e 2008, quando Gilberto Gil esteve à frente do Ministério da Cultura. Gil entendeu que cultura não era apenas espetáculo, mas também trabalho, renda, cidadania e política de base comunitária. Nesse período, foi implantado o programa Cultura Viva, com os Pontos de Cultura como eixo central. Ao final da década, mais de 2.500 Pontos estavam ativos em mais de mil cidades, alcançando cerca de 8 milhões de brasileiros.

Boa parte dessa potência vinha e ainda vem das mãos de mulheres periféricas, negras, indígenas e quilombolas, que fazem da criatividade sua forma de viver e resistir. Gil também foi pioneiro ao colocar o Brasil no centro dos debates sobre economia criativa, cultura digital e software livre, e foi o primeiro artista-ministro a liberar suas músicas sob *licença Creative Commons, reconhecendo os novos modos de circulação e criação coletiva.

Formação para empreendedoras do periferia que cuida 2024


Esse período plantou sementes que floresceram na década seguinte. Segundo dados do governo federal, entre 2012 e 2020, o PIB da economia criativa cresceu 78% (enquanto o PIB geral cresceu 55%). Em 2020, o setor movimentava R$ 230 bilhões, representando 3,11% da economia nacional e gerando mais de 7,4 milhões de empregos formais e informais. Parte desse crescimento se explica porque, lá atrás, houve governo que compreendeu o valor de investir na cultura popular e na periferia como caminho real de desenvolvimento.


E é aqui que entramos, nós, mulheres criativas das periferias. De acordo com estudos do SEBRAE e da Rede Artesol, mais de 70% das pessoas que vivem do artesanato no Brasil são mulheres – muitas delas mães, chefes de família e moradoras de territórios vulnerabilizados. Quando olhamos para as quebradas, os dados são ainda mais fortes: segundo a pesquisa Persona Favela (USP), 60% dos empreendimentos nas periferias são comandados por mulheres. Negócios de moda, gastronomia, arte urbana, audiovisual, produção cultural e estética têm hoje rosto de mulher preta, de mulher
trans, de mulher indígena. A contradição, no entanto, persiste: quem move a economia com criatividade, pertencimento e impacto social ainda encontra barreiras imensas para acessar crédito, políticas públicas e estruturas de apoio. E é por isso que precisamos de governos que enxerguem a cultura como prioridade não como enfeite, mas como eixo de reconstrução econômica, identidade e soberania popular.


O que Gilberto Gil nos mostrou – com música e política – é que um país só se encontra consigo mesmo quando ouve o tambor das suas periferias, quando valoriza os saberes das suas mulheres, quando aposta no coletivo como futuro. Se hoje falamos de economia criativa com força, é porque lá atrás alguém nos escutou. Que a gira siga mas com política pública, investimento e continuidade.

A criatividade das quebradas nunca parou. O que falta agora é o Brasil assumir, de fato, a responsabilidade de monitorar e implementar as diretrizes da Política Nacional de Economia Criativa, articulando estados e municípios nessa missão. Porque enquanto isso não acontece, as quebradas seguem fazendo: desenvolvendo seus territórios, transformando saberes em renda, furando bolhas de conhecimento e criando alternativas reais pra romper com as desigualdades econômicas e financeiras. Fica ligada, compartilha com as suas, bora conversar sobre esses dados, entender nosso histórico e pensar juntas em novas formas de diversificar as entradas de recursos.

A gira não para. E a gente também não. Bora?

Gira Criativa – Um Giro Pela Potência da Periferia

A cada quinze dias, a Gira Criativa convida você para uma troca viva, pulsante e necessária sobre empreender na Economia Criativa e nos Negócios de Impacto da Periferia. Este não é só um espaço de fala — é espaço de escuta, de conexão e, sobretudo, de celebração dos saberes e fazeres que brotam dos territórios.

Aqui, giramos saber, conhecimento e prática. Costuramos sonhos com método, criatividade com resistência, cultura com desenvolvimento. Através de reflexões, relatos e provocações, vamos publicizar as pedagogias que nascem das brechas, das encruzilhadas e da força da Educação Popular — aquela que não se aprende só em livro, mas na vivência, no fazer coletivo e no corre diário de quem transforma sua realidade.

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