
Baile funk SP – Foto: Wenderson França/ Portal Kondzilla
Por Carolina Rosa
Julho é o mês do funk, com dois marcos importantes no calendário: o Dia Estadual do Funk, celebrado em 7 de julho em homenagem ao MC Daleste; e o Dia Nacional do Funk, no dia 12, relembrando o Baile da Pesada, realizado em 1970 no Rio de Janeiro. Mas além da festa, esse mês é também um alerta sobre as contradições que ainda cercam o movimento: se por um lado o funk é reconhecido como potência cultural e econômica, por outro, segue sendo alvo de criminalização e violência institucional — principalmente quando nasce e cresce nas quebradas.
Mesmo depois do “Massacre de Paraisópolis”, em 2019, quando nove jovens morreram pisoteados durante uma ação violenta da Polícia Militar em um baile funk na zona sul de São Paulo, a repressão nos bailes não cessou. Relatórios da Unifesp revelam que, mesmo após a tragédia, dezenas de operações policiais continuaram ocorrendo em bailes de rua, com uso de bombas, gás e agressões — sem qualquer transparência ou prestação de contas por parte do Estado.
Mas a quebrada não espera só por respostas institucionais. Diante da repressão e da tentativa constante de apagar esse símbolo da cultura periférica, artistas, coletivos e iniciativas locais têm construído saídas possíveis — onde o funk não é só resistência, mas também política pública, geração de renda e horizonte de futuro.
De alvo a protagonista: o funk entra no circuito institucional
A criação da Coordenadoria de Políticas Públicas do Funk, pela Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, em 2023, foi um marco histórico. Pela primeira vez, o Estado reconhece o funk como manifestação cultural legítima, passível de ser fomentada — e não criminalizada. Neste mês de julho, a pasta lançou o projeto Pega Visão, uma série de encontros entre jovens das periferias e grandes nomes da cena, como MC Livinho. A ação é feita em parceria com as produtoras Kondzilla e GR6, dois gigantes do mercado musical nascidos da favela.
A ideia é simples e potente: aproximar juventudes da quebrada de quem já venceu barreiras parecidas. Em Heliópolis, a primeira edição do projeto mostrou que o funk pode e deve ser também espaço de troca, inspiração e construção coletiva de novos caminhos. “Essas ações fazem a diferença. Espero sempre motivar os jovens com a minha história”, afirmou MC Livinho.
Mais do que shows e oficinas, iniciativas como o credenciamento aberto para artistas do funk — também lançado este mês — reconhecem que o movimento não é só música. É estética, dança, audiovisual, grafite, moda e literatura. É uma cadeia criativa viva, que emprega e movimenta economias locais. Em vez de repressão, o que esses artistas precisam é de estrutura, espaço e visibilidade.
Outro exemplo é o fortalecimento das Casas de Cultura e Bibliotecas como pontos de encontro para o debate sobre estética periférica. Neste mês, a Biblioteca Mário de Andrade recebe a palestra “O funk e a quebrada como centro do mundo”, mostrando que o debate já chegou até os espaços tradicionalmente elitizados da cultura — e que a periferia não está mais pedindo passagem, mas ocupando os centros com protagonismo.
Soluções em curso — e os desafios que permanecem
Ainda há muito a ser feito. Relatórios como o da Unifesp e estudos de redes como o Funk Total apontam que a juventude funkeira continua sendo alvo de políticas de segurança que tratam cultura como caso de polícia. Falta um plano intersetorial que una cultura, juventude, direitos humanos e segurança pública — com foco em reparação histórica e políticas de prevenção, e não apenas de repressão.
Por isso, a construção de políticas de escuta e participação é urgente. Consultas públicas, como a do edital de festivais de funk, são passos importantes — desde que garantam a presença real de quem constrói o movimento, e não apenas de mediadores institucionais. Para isso, é essencial que os coletivos, MCs e produtores das quebradas tenham vez nas decisões.
O funk é muitas coisas: denúncia, celebração, ferramenta de autoestima, economia da favela, trilha sonora da resistência. E em tempos de criminalização e violência, ele também se afirma como projeto de sociedade com base na coletividade, na liberdade de expressão e no direito à cidade.
Em vez de silenciar o batidão, cada vez mais a sociedade tem entendido que já é hora de amplificar suas mensagens, proteger seus corpos e reconhecer seu valor. Porque quando o funk toca alto nas quebradas, é a própria periferia dizendo que quer viver e viver bem.