Contextos Culturais
Por: Pri Mastro
O último debate das eleições, realizado no dia 23 pela FLOW News e pelo Flow Podcast, pareceu, até o momento, o melhor debate em termos de apresentação de propostas. Ainda que tenha terminado em mais episódios de violência, falta de postura e educação, foi o primeiro encontro um pouco mais fluido entre os candidatos e as candidatas à prefeitura da cidade, que é o principal centro financeiro do país e da América Latina.
Com pautas mais que repetidas de outros debates, podcasts e redes sociais, é grave perceber que a pauta da cultura (entre outras) ainda não tenha sido considerada como mais um ponto importante de um plano de governo e como um ponto emergente de desenvolvimento e mudança no município. Depois de uma pandemia, são muitos os profissionais que ainda não se recuperaram. As emergências vivenciadas pela classe trabalhadora da cultura não foram socorridas pelas leis emergenciais, nem pelos editais e nem pelas contratações públicas, que vivem em atraso com os pagamentos.
É certo que a cultura da cidade de São Paulo reflete, em muito, a desvalorização da cultura nacional. O orçamento é menor para a cultura, os profissionais são em menor número, os valores de cachês são sempre apertados para quem está nas margens e altos para um número imenso de “artistas investidores do agronegócio”. Claro, toda manifestação artística pertence às culturas, e todas elas são importantes. Mas, e nos extremos da cidade? Como têm sido administrados e distribuídos os recursos e os olhares das políticas públicas?
Entre o Porta de Entrada — o novo portal da Secretaria Municipal de Cultura para cadastros de propostas artísticas contratadas, que ainda não funciona de forma intuitiva e funcional, fazendo com que diversas produções percam tempo e esperança — e diversos debates que sequer citam a cultura da cidade, o produtor cultural independente e de periferia fica com a indignação engolida, afinal, “pelo menos estão contratando, melhor aguentar isso do que não ser contratado”. E assim seguimos sendo o teste para os portais e processos que nunca funcionam como precisavam. Nós nos adaptamos constantemente à beira da loucura, enquanto a gestão pública segue sendo uma bagunça. Toda a falta de administração da cultura da cidade se despeja na ponta, e se você não corre hoje com o que te pedem em até 24 horas, você perde o pão de amanhã. Não falo aqui dos muitos profissionais especialistas (e outros nem tanto) que fazem de tudo para uma máquina enferrujada funcionar sem mão de obra suficiente. Eles e elas também adoecem no esforço constante de mediar a política pública e seu povo.
Em um país com inúmeras riquezas culturais e econômicas, que se perpetuam no tempo através do nosso trabalho enquanto artistas e produtores, fica difícil levantar de manhã e pensar qual será a próxima ideia mirabolante que você terá para manter o trabalho, qual será a próxima oficina a se inventar para caber nas burocracias e portarias (ato administrativo). A criatividade seca, o aperto vem, e beiramos pensar na nossa produção como apenas uma entrega para pagar as contas, para ter o básico. É isso mesmo, candidatos?
Em um país rico, os grupos culturais dividem os cachês em migalhas porque quem sai da periferia não vai fazer de qualquer jeito, mesmo que ganhe pouco, enquanto as viradas da cidade gastam muitos milhares para programações minimamente questionáveis. Ainda há gestores de espaços públicos que acreditam que nos fazem um favor, salvando as pessoas que, de tanto cansaço, até se esquecem de que o acesso às políticas públicas é um direito constitucional.
A pauta da cultura nos planos de governo apresentados pelos candidatos e candidatas não passaria em uma comissão de avaliação de projetos da Secretaria de Cultura da cidade, tamanha é a forma vaga como se apresentam. Faltam objetivos concretos, de pessoas realmente capacitadas, que possam analisar o cenário atual a fim de transformá-lo. Propõe-se o crescimento do orçamento, como se só precisássemos ouvir isso, mas o que será feito com ele? E para nós, que para além de um contrato, estamos aqui carecendo do mínimo? Um telefone que funcione, um e-mail que seja respondido por uma pessoa com nome, sem que se apresentem como máquina, uma data, uma posição, uma resposta para os nossos porquês.
Falta pouco para o primeiro turno e, para além da cultura, visitar os planos de governo é fundamental para se munir de base para a construção de novos caminhos. Em quem você vai votar? Quais são os valores em que acredita e quais as necessidades que você e seu território enfrentam?
E no caso da ausência de informações dos candidatos à prefeitura, procure pelos vereadores e vereadoras, que têm, em suas funções, o trabalho essencial com a municipalidade e os territórios específicos. São eles e elas que, talvez, poderão atender às demandas e expectativas singulares de seu eleitorado.
Será que dá para acreditar que haverá uma portaria que regularize a abertura de outras portas para quem trabalha possibilitando que a cultura continue viva?
Sendo assim, e com uma lista imensurável de desajustes e desrespeitos com o nosso trabalho, fico ansiando por ouvir dos candidatos e candidatas, nos debates e nas redes, sobre um horizonte de direitos um pouco mais esperançoso, para alimentar aquele que arrancamos de dentro todos os dias.
O que me apaixona nas culturas é que elas sobrevivem além do tempo, sem precisar de prefeito, através da oralidade, das artes, das comunidades. Igual a gente, independente.
Sobre a coluna: Contextos Culturais tem o objetivo de pensar o papel da produção cultural e da arte na formação de identidades, de territórios e de poder nas mudanças sociais e das políticas públicas, a coluna busca expor e provocar o pensamento autônomo acerca da sociedade, do passado, do presente e do futuro.
Pri Mastro: É produtora, educadora, artista e psicóloga de formação. Atua na elaboração de projetos e na produção executiva de artistas e coletivos pela articuladora cultural POVES. Desenvolve projetos independentes focados na formação em produção cultural, promovendo vivências de práticas acessíveis e colaborativas.
Debate essencialmente necessário!
Bom Domingo Pri Mastro venho por meio de meu comentário, antes de mais nada elogia-la pela sua iniciativa representando muito bem nossa cultura, Parabéns mesmo