sábado, março 15

Coluna Ombala: O que queres, jovem?

Coluna Ombala

Foto: Ricardo Matsukawa 

Por: Silvia Mungongo

O ano de 2025 iniciou com fortes movimentações no cenário político mundial. Para o desagrado de uns e agrado de outros. A atmosfera política parece pesada e difícil de ignorar, já que muitas das recentes medidas adotadas impactam política e economicamente diversas nações ao redor do mundo, sobretudo as mais pobres. Também, com preocupação, acompanhamos a implementação de políticas que fazem retroceder direitos básicos, conquistados com sangue, suor e lágrimas de quem veio antes de nós. 

Hoje, minha escrita é para jovens. Jovens das quebradas, jovens desse imenso Brasil, de Angola (meu país), e de todo mundo. Jovens que ousam e querem mudanças. 

Quem anda de transporte público em São Paulo sabe que está sujeito a ouvir, ainda que não queira, conversas de todo teor: político, econômico, sexual, doméstico, entre outros. Recentemente, tive a “graça” de acompanhar o diálogo entre dois jovens, que não deviam ter acima de 25 anos. Em meio ao barulho do comércio, pedidos de ajuda, música, risadas… eles falavam sobre geopolítica de uma forma tão consciente que quase entrei na conversa, mas me contive para ouvir e absorver mais do seu conhecimento. A dado momento, um deles disse: “os Estados Unidos não são a América, não são o mundo. Eles não são super-heróis. Todo mundo devia ter o direito a viver com dignidade em qualquer lugar do mundo”.

Esse diálogo foi tão inspirador e me lembrou de um texto que havia escrito há cerca de três anos. Nele, eu perguntava sobre o que os jovens queriam, uma vez que são a maior força transformadora do mundo. 

Então, o que você quer? Que sonhos trazes? Que mundo almejas? Sonhas com um mundo de paz, onde não haja opressores e oprimidos? Privilegiados e desfavorecidos? Racismo, preconceito, guerra, violência, ódio e rancor?

Não será isso utópico? Seja como for, eu também penso assim.

Tal como você, sou jovem. Já dizia o músico angolano, André Mingas (in memoriam), “quero a vida ver sorrir, viajar, ter amigos” e contemplar um belo pôr do sol nas Américas, Ásia, África, Europa ou Oceania sem, no entanto, me deparar com as barreiras físicas e invisíveis que os Estados fixaram como forma de repulsão do novo, do diferente.

Todos os dias morrem imigrantes nas fronteiras terrestres e marítimas, por conta da hipocrisia e do preconceito humano. São pessoas que só queriam uma vida melhor para os seus e suas. Gente que luta desesperadamente para fugir da guerra e da miséria nos seus países. Será que passam por tanto sofrimento por mero capricho? Arriscam suas vidas porque é bom fazer um belo passeio ao frio e ao vento, nos desertos ou nos grandes mares Mediterrâneo, Morto, Vermelho e por aí vai?

Apelo à humanidade. Temos os corações mais gelados que a Antártida. Já vi jovens, como eu e você, serem humilhados, violentados, maltratados e a morrerem, por ousarem sonhar com uma vida melhor.

Que mundo para nós? Nações se levantam umas contra as outras apenas para ver quem domina. Uma medição de forças, onde quem sofre são os mais fracos. O mundo viveu tantos males, tantas guerras, mas parece que não aprendemos nada. Países continuam a se bombardear só para mostrar quem manda. Civis morrem, mulheres e meninas são estupradas e usadas como escudos humanos. Destroem escolas, hospitais, sonhos… Destroem para depois gastar milhões com reconstrução. Quanta estupidez!

A colonização terminou, formalmente, mas continuamos a sofrer outras formas de colonização: na economia, moda, cinema, desporto, ciência… O Sul Global continua refém do Norte.

África possui encantos e riquezas que fazem inveja aos outros, por isso, se conhecer a paz muitos interesses cairão por terra. Os conflitos no continente não atraem a atenção internacional, os problemas dos africanos não comovem. África continua a ser o “outro do outro”, parece que não existe.

Como queres paz, jovem? Se os “os grandes” poluem e quem sofre são os mais pobres, que até desenvolvem ações de proteção ambiental? Como ter paz se a cor da minha pele faz de mim menos humana? Se a minha condição física e orientação sexual me colocam à margem? Como ter paz se me foi negado o direito de estudar e aprender na minha língua de origem? Se minorias étnicas são silenciadas e passam por processos de apagamento?

É impressionante, a América é terra indígena, mas os invasores apoderaram-se e hoje têm a insolência de expulsá-los. Quanta injustiça!

Será que poderemos ter um mundo sem dor? É utópico pensar assim, não é? Porém, a utopia é como a linha do horizonte, nunca a iremos alcançar, mas ela serve para que não deixemos de caminhar, afirmou o grande poeta uruguaio, Eduardo Galeano. E eu acrescento, os sonhos sustentam a nossa vida e são o prelúdio da realidade.

Precisamos sonhar, mas vamos agir para provocar mudanças. Tantos e tantas jovens deram o melhor de si para transformar suas comunidades, sigamos o exemplo.

Há uma guerra constante entre marginalizados e marginais para não deixarmos haver paz enquanto guerras econômicas continuarem, enquanto mulheres e outros povos continuarem a ser oprimidos em nome da “bem-feitoria”.  Sejamos francos: não existem super-heróis. Só mesmo na ficção. Povo algum precisa de um herói para o salvar. Parem de explorar!

Eu também quero o que tu queres, jovem. Chega de guerras e reconstruamos a ideia de paz. Uma paz verdadeira, sem camuflagens. Não uma falsa paz criada apenas para manter o sistema a funcionar. Chega de guerra e de subalternização. Será pedir demais? Seja como for, é isso que quero. É isso que crianças e jovens precisam.

“A revolução deve ser lúcida, atenta, exigente e permanente”. 

Mano Azagaia, rapper moçambicano.

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Silvia Mungongo: natural de Luanda, Angola, atualmente residente na cidade de São Paulo, é socióloga, ativista, poeta e jornalista. Profissional de comunicação com sólida experiência em redação, locução, reportagem e edição. Atuou em diversas plataformas, como rádio, televisão e mídia digital, desenvolvendo e apresentando conteúdos informativos e engajadores.

Sobre a coluna: Ombala é uma palavra na língua angolana Umbundu, que significa capital ou sede. Portanto, um lugar de encontros e reencontros e onde normalmente residem Reis e Rainhas. A coluna pretende ser um espaço de reencontro da cultura africana, seus fazedores e sua abrangência na diáspora. Será um prazer ter-vos por aqui. Ngasakidila!

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