Coluna Contextos Culturais

O cantor Mano Brown criticou a dificuldade de comunicação do PT com a base da pirâmide social. Recebeu aplausos da plateia e apoio de Caetano e Chico. (2018) Foto: Mauro Pimentel / AFP
Por: Pri Mastro
Revisão: Wes Carvalho
Observo com frequência, nos muitos grupos com os quais socializo, uma enorme dificuldade de pessoas brancas, assim como eu, em assumirem essa realidade através do uso dos pronomes pessoais: “nós, pessoas brancas”. Quase sempre, envergonhados, estamos preocupados em mostrar o quanto não somos brancos, o quanto temos ancestralidades. E ninguém está dizendo que não temos, mas, mesmo assim, estamos lá: “Ah, que meu avô sei lá o quê” – sendo que ninguém quer saber do nosso avô.
Entender de onde viemos é importante para compreender nosso lugar no mundo e nos conectarmos com diferentes identidades, mas, se nós nascemos com a “cara de gente branca”, não adianta ficar buscando um “black card”.
Se nós já ouvimos que tranças não são para os nossos cabelos e que, além disso, contam histórias que não são as nossas, para que insistir nisso só porque “a amiga preta disse que não tem problema?”. É responsável nos racializarmos, e nós precisamos ser autônomos nas nossas buscas e nossas ações, não ficar buscando legitimação de pessoas pretas e/ou indígenas para continuarmos ocupando todos os lugares do mundo – ou melhor, os melhores lugares, roubados no mundo. Nós precisamos entender que nem todo lugar é nosso, que roubo e apropriação não são pertencimento.
Nós nos comovemos com as milhões de histórias de povos originários, pretos e pardos, só que, na hora de buscar conteúdo para sermos letrados, para de fato apoiar, para pagar a dívida, a quem ainda continuamos devendo? Enquanto isso, miramos em Brasília, nos homens ricos, velhos e brancos, distanciando-nos da branquitude que habita em nós. De fato, não somos essas pessoas mal(ditas) brancas, mas já parou para pensar que não é para elas que temos que olhar? Inspirados no pensamento de Paulo Freire, importante nome da educação brasileira, talvez devêssemos olhar para nós mesmos no mundo, no nosso entorno, no “povo do lugar”.
Em vez de tentar “não ser branco”, por que não pesquisarmos sobre as possibilidades de cores de peles claras? Talvez nós descubramos o óbvio: que brancos têm inúmeras tonalidades. E que branco rico e branco de quebrada têm privilégios – muito diferentes, mas têm. Branco sofre preconceito; não sofre racismo.
Entender a sutileza e a delicadeza do agir em momentos de violência para as nossas e os nossos é essencial e exige consciência e bancar o “heroi branco” não apaga o “fogo em nós, racistas”.
Então calma! Lembra do Brown e “Volta pra Base!”. Às vezes, o conhecimento raso das pautas sociais pode nos levar a reações impulsivas, mas é preciso acertar o ponto para que nossa intervenção não acabe expondo ainda mais quem já está vulnerável. Às vezes, um silêncio, um olhar e um abraço já são uma forma poderosa de reagir.
Saber chegar e aprender a hora de sair, a hora de nem ir ou de apenas ouvir. Quem sabe, em outros tempos e sem que isso seja utilizado para inventar uma “passabilidade preta”, alguém queria saber dos nossos avós – mas em um espaço de intimidade e troca de confiança, onde nossas ações brancas não causem dor, e sim acolham.
“Alguém me avisou para pisar nesse chão devagarinho” – Dona Ivone Lara
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É produtora, educadora, artista e psicóloga de formação. Atua na elaboração de projetos e na produção executiva de artistas e coletivos pela articuladora cultural POVES.
Desenvolve projetos independentes focados na formação em produção cultural, promovendo vivências de práticas acessíveis e colaborativas.
Legenda “pra cego ver”: Pri Mastro é uma mulher branca. Na foto, aparece sorrindo vestida de roupa de cor preta, com uma blusa regata, óculos de sol e uma bolsa transversal com a tira também preta passada em seu peito. Ao fundo, uma grade de alumínio com borda marrom em um espaço aberto com sol.