Ilustração Pedro Okuyama (@pedro_okuyama)
Coluna Anti-heróica
Por Matheus Monteiro
Desde pelo menos 2015 um tema recorrente vem aparecendo nos filmes de terror: a ameaça das “pessoas mais velhas”, sejam pessoas idosas ou mães e pais. Essas ameaças podem vir por meio de herança, como em Hereditário (Hereditary, 2018), ou tentativa de tomar a vida dos mais jovens, como em A Avó (Abuela, 2021), ou até mesmo como uma ameaça direta como em A Morte do Demônio: A Ascenção (Evil Dead Rise, 2023), Fuja (Run, 2020), ou Lar dos Esquecidos (Old People, 2020).
Essa temática não é algo novo no terror, porém me parece existir um movimento, talvez até inconsciente, em torno dela, que se tornou recorrente. Um movimento, quase antagônico ao movimento de filmes de terror sobre crianças amaldiçoadas do século passado – O Exorcista, 1973; O Bebê de Rosemary, 1968; A Profecia, 1976; Carrie, a Estranha, 1976, entre outros – que evidenciava um certo “medo geracional”: uma geração mais velha com medo do que a próxima geração poderia fazer com o mundo, o grande perigo dos jovens contraventores, hippies, punks, militantes entre outros.
O medo transmitido nos novos filmes de terror ainda é um medo geracional, mas não mais o medo do “futuro”, do que as novas gerações poderão fazer com o mundo, e sim um medo do “passado”, da herança deixada pelas gerações anteriores, o que elas já fizeram com o mundo. O medo do século XX era sobre o futuro, sobre o que poderia acontecer – bombardeio de bombas atômicas durante a Guerra Fria, o medo da Revolução Social promovida pela juventude, o medo do amanhã –, esse medo ainda existe, mas não mais do que poderia acontecer, mas do que já está acontecendo em decorrência do passado, como o desastre ambiental iminente. O futuro é incerto, mas é certo que sua decadência foi concedida pelos atos das antigas gerações que deram uma sociedade à beira do colapso de herança aos seus filhos. Agora, os pais que deveriam ser a proteção e exemplo da família se tornam a sua maior ameaça, como A Morte do Demônio: A Ascensão (2023).
Filmes como Hereditário (2018), abordam justamente essa perspectiva da herança amaldiçoada, e sem escapatória deixada pela antiga geração. Já outros filmes como A Visita (The Visit, 2015), A Avó (2021), e Lar dos Esquecidos (2020) abordam a dicotomia do afastamento entre as gerações. Em situações de abandono os mais velhos recorrem a forças ocultas para se manterem vivos, e assim se tornam uma ameaça às novas gerações, que os abandonaram em casas de repouso, ou esqueceram sua existência. Em A Avó, a matriarca da família rouba a vida de sua neta, em Lar dos Esquecidos os idosos trancados em casas de repouso começam um levante que culmina em um massacre, em A Visita os idosos são o palco de um documentário e quando revelam o que haviam feito e no clímax do filme, se tornam a ameaça aos seus netos.
Em momentos como o acontecimento do 8 de janeiro de 2023, sarcasticamente apelidado por algumas pessoas de “Intentona Geriátrica” e parece que esses filmes acertam bem na tensão geracional que vivemos. Existe uma grande dificuldade de comunicação entre duas gerações: uma que sempre temeu os atos radicais e mudanças promovida pelo novo, e o novo que tem rancor e vai culpar o velho pelo mundo que herdou.
Longe de etarismo, o diálogo entre gerações realmente não é algo fácil,. Eu como professor jovem em dois cursinhos populares sinto dificuldade em me comunicar com meus alunos, que teoricamente seriam da mesma geração que sou. Outra atitude é o abandono dos mais velhos, mesmo quando não são jogados em asilos. É muito fácil ignorar quando seu avô chega com uma Fake News para te mostrar, e você só ignora e deixa de dialogar. Por outro lado, pessoas mais velhas possuem dificuldade em aceitar os erros e mudar seus pensamentos enraizados, e a cultura de tratar os mais velhos como crianças não ajuda muito na construção de diálogos.
Também não podemos assumir que o fascismo cresce somente entre os mais velhos, núcleos e movimentos nazistas vem crescendo entre comunidades de jovens (https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/pesquisa-investiga-ativismo-de-jovens-em-movimentos-de-extrema-direita-no-brasil-e-na-alemanha/), talvez por causa de um passado idealizado, um conservadorismo que leva à radicalização. O medo do amanhã ainda é o que rege o mundo, medo que leva ao ressentimento, que por consequência leva à raiva, e cabe as produções culturais a demonstrarem, expor e nos fazer refletir sobre esses medos e nossas ações.
Sobre a coluna: Anti-heroica é uma coluna de opinião e crítica que aborda temas ácidos e provocativos dentro de obras de arte, principalmente quadrinhos e música, e convida o leitor a um debate fora da zona de conforto, em busca de uma reflexão que desafia o senso de heroísmo messiânico, a busca por respostas fáceis e rápidas.
Matheus Monteiro: Historiador formado pela Universidade Estadual de São Paulo, morador do Capão Redondo, foi idealizador do 1° PerifaCon. Realiza pesquisas na área de História Cultural, com foco em quadrinhos, além de ser professor de dois cursinhos populares na cidade de São Paulo.
Instagram: @o_antiheroi