quinta-feira, junho 19

Educação Interrompida: IBGE revela que 8,7 milhões de jovens não concluíram  o ensino médio em 2024

 Educação

Necessidade de trabalhar, gravidez e falta de interesse pelo estudo são os três motivos que mais afastam as mulheres jovens da escola – Foto: Alba Rosa/AEN

Por Carolina Rosa 

Aos 32 anos, Daiane Rodrigues carrega na memória um capítulo amargo da sua relação com a escola. Ainda adolescente, precisou abandonar os estudos para ajudar nas contas de casa, em uma rotina que se tornou comum entre meninas pretas dos territórios periféricos Brasil  adentro. 

“Minha mãe dependia de mim. Meu pai tinha problemas com álcool e, com dois irmãos mais novos, eu me tornei uma das responsáveis pelo sustento da casa”, relembra Daiane.

Ex-aluna da Escola Estadual Carolina Cintra da Silveira, no Capão Redondo, Daiane diz que a escola nunca foi um ambiente acolhedor: salas sucateadas, aulas vagas e uma proposta pedagógica distante da sua realidade: “A gente falava todo dia em sair da escola. Ela não fazia sentido pra nossa vida.”

A trajetória de Daiane reflete a realidade de milhões de brasileiros e brasileiras. Apesar dos avanços na redução do analfabetismo e do aumento da escolaridade média da população, os desafios seguem alarmantes. Em 2024, 8,7 milhões de jovens entre 14 e 29 anos não haviam concluído o ensino médio, segundo dados recentes divulgados pelo IBGE, obtidos pelo módulo anual da PNAD Contínua sobre Educação. Em 2023, esse contingente era de 9,3 milhões e em 2019, chegava a 11,4 milhões.

Mas você sabe porque esse número é tão alto? De acordo com o levantamento, a necessidade de trabalhar, a falta de interesse nos conteúdos escolares e, no caso das mulheres, a gravidez precoce e os afazeres domésticos, ainda são os principais motivos de evasão — e atingem com mais força a população preta e parda, ampliando desigualdades históricas em regiões de maior vulnerabilidade social.

Dos 8,7 milhões de jovens entre 14 e 29 anos , 72,5% são pretos ou pardos e 59,1% são homens, o que reforça o impacto do racismo estrutural e das desigualdades de gênero nos caminhos interrompidos da educação no Brasil.A evasão escolar no Brasil é um fenômeno que tem raízes profundas. Fatores como a precariedade da infraestrutura escolar, a distância entre o currículo e a realidade dos estudantes, e a ausência de políticas públicas de permanência — como bolsa, alimentação e acolhimento — contribuem para que milhares de jovens abandonem os estudos todos os anos. A situação é ainda mais crítica nas periferias urbanas e nas áreas rurais, onde as redes de apoio são frágeis e o trabalho informal é muitas vezes a única alternativa de renda para as famílias.

Educação como direito e caminhos periféricos de retorno

Foram cinco anos longe da sala de aula, até que Daiane, começou a sentir as consequências da falta da formação no ensino médio. Diante das barreiras do mercado de trabalho, ela decidiu voltar a estudar e fez isso por meio do EJA (Educação de Jovens e Adultos), no EMEFM Prof. Linneu Prestes, localizado em Santo Amaro, outro bairro da zona sul. “No EJA, eu encontrei outras histórias como a minha. Foi ali que, pela primeira vez, eu me senti de fato dentro da escola, não estou falando que era mil maravilhas, porque continuava sendo escola pública né, mas foi uma experiência que me transformou”, concluiu.

O caminho que Daiane escolheu é uma ótima opção para quem deseja retomar os estudos após a evasão escolar. Criado como política pública para garantir o direito à educação básica a quem não a concluiu na idade regular, o programa oferece uma alternativa mais flexível, com etapas concentradas e horários adaptados, permitindo que trabalhadores possam estudar, muitas vezes à noite.

A proposta do EJA é baseada em ciclos mais curtos: o ensino fundamental pode ser concluído em até quatro anos e o ensino médio em apenas um ano e meio, dependendo da oferta. Essa estrutura visa compensar o tempo perdido, mas ainda esbarra em desafios, como turmas regulares, e, nas que existem, a rotatividade de professores, a falta de materiais didáticos específicos e a ausência de políticas de permanência (como merenda noturna, transporte e bolsas) que dificultam a continuidade dos estudantes.

Além disso, há um estigma social associado à modalidade: muitos alunos relatam vergonha ou desconforto por voltarem à escola em uma etapa da vida em que a maioria já está inserida no mercado de trabalho. 

Ainda assim, o EJA tem cumprido um papel fundamental na reconstrução de trajetórias interrompidas — como a de Daiane. Para muitas pessoas, ele representa não apenas uma segunda chance, mas também o reencontro com a autoestima e com a possibilidade de fazer planos. O desafio que permanece é garantir que esse direito seja efetivamente acessível, valorizado e adaptado às realidades diversas da população brasileira.

Hoje, Daiane não apenas concluiu o ensino médio como pode ter uma formação técnica na área da saúde, ampliando suas oportunidades de trabalho. “Acredito sim na educação e que a  escola pode ser um lugar de mudança, mas ela precisa escutar e principalmente enxergar quem está nela”, afirma. Sua história ecoa entre milhões de outras que, mesmo diante de tantos obstáculos, seguem acreditando que a educação é um caminho possível — desde que ela venha com equidade e respeito à diversidade de caminhadas.

A Rede Municipal de Educação conta atualmente com 185 unidades educacionais que ofertam a modalidade de EJA na cidade de São Paulo. As unidades estão organizadas por Diretorias Regionais de Educação (DRE), clique aqui para acessar o site oficial e conferir a escola mais próxima para você.

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